A casa de Heráclito
Aquele
pó louco na manhã confusa fazia sua garganta esmerilhar-se dentro
do pescoço. O banheiro estava em obras. A poeira que ele engasgava
era um pedaço da antiga casa pulverizado pela força bruta de um
martelo sob a mão de um impiedoso capataz. Levantara e fora até a
cozinha em busca de um copo que consigo trouxesse água e alguma paz
às paredes laringíneas de sua frágil goela. Mas também os copos
se ressentiam de uma espessa camada daquele pó que antes houvera
sido a parede que separava o banheiro de um hall que
corria até a sala. Levou o copo à pia e abriu a torneira. Lavou-se
o copo sozinho com a água que descia e enxugou-se por um abrupto
saculejo, como numa nota da beleza prática e engenho que na
atribuição de mérito à gravidade, fazia separar gotas de água de
vidro e, onde antes a poeira se encostava, descansava agora apenas um
estreito véu de umidade que calava também, com suma delicadeza, a
aridez e aspereza da mão que segurava. Levou o copo ao filtro e
encheu-o até quase a boca. Derramou pela garganta abaixo, fazendo
varrer, até onde se tinha alcance, aquelas pequeníssimas particulas
de matéria dura. E pouco a pouco as obras avançaram. Reformou a
sala, os quartos e a cozinha, bebendo cada cômodo nas manhãs que se
seguiam. Mas a casa, se reerguendo, permanecia.
Disse
Heráclito que um rio que corre nunca é o mesmo, mas jamais ousou
ele dar nomes distintos a cada um desses que passou a sua frente pelo
mesmo caminho.
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